14 anos de estrada
Hoje completo 14 anos de Serviço Público. 5.113 dias investido em cargo público. Foi "dia desses" que aquele moleque de 19
anos havia sido aprovado no seu 2° Concurso Público e teve o Termo de Posse
assinado meses depois, com recém-completos 20. Mas passou rápido.
De lá pra cá, aprendi (e aprendo) tanto, que por vezes só
sei que sei quando me deparo com o problema, muitas vezes inédito, na hora “H”.
O poder de improviso liga o botão ON e a gente vai. Mete a cara. Resolve. Por
vezes, até se arrisca. Mas no final, a gente resolve.
Aprendi sobre realidades.
Conheci pessoas. Ampliei meu círculo relacional.
Entendi melhor o ser humano e os interesses (os bons e os “nem
tanto”, os coletivos e pessoais…) que existem por trás de cada movimento
humano.
Aprendi a falar. E também a calar, embora aqui eu ainda
falhe miseravelmente.
Fui convidado a vislumbrar visões de mundo distintas da
minha. Caí de cabeça, fui fundo. Conheci da miséria latente do interior de
Afuá, no Marajó (uma das regiões mais pobres do Brasil), até o senso de
coletividade/civilidade que fazem da Espanha um lugar incrível, pronto a sediar
um evento que lance diretrizes pra um mundo mais decente.
Pude testemunhar as dificuldades das pessoas em pontos
distantes de uma já distante São Félix do Xingu, até os dramas do outro lado do
mundo, nas ilhotas da Indonésia, lá na Ásia, que sofrem em modos e proporções
muito parecidas com as nossas, talvez pelo bem e mal de compartilharem a mesma
latitude no globo.
Aprendi que muitas vezes os processos são tão (ou mais)
valiosos que os resultados. Entendi que existem frutos impossíveis de
contabilizar ou mensurar, mas você sabe que eles estão lá, que foram gerados. Pontes
que você fez entre órgãos, setores ou pessoas, e que vão gerar excelentes
entregas logo ali na frente. Você deu sua contribuição, “uniu as pontas” e nem
é capaz de imaginar o quanto foi importante estimular isso. Não dá nem tempo de
contabilizar, avaliar…
Contudo, no afã e na angústia de querer realizar coisas –
com aquele senso de urgência que já é natural dos que trabalham na área de Meio
Ambiente e Desenvolvimento – a gente “ganha” alguns desafetos também, o que
aprendi ser “do jogo”.
Aprendi que se tivermos que agradar, que seja “o espírito da
Lei” e o “bom senso” que cada caso concreto pede. O mesmo bom senso que meu avô
costumava classificar como “a mais sublime das leis”.
Aprendi também que às vezes não é “o que” se coloca, mas “como”
se coloca. E essa a gente aprende a duras penas. Haja incompreensões, mal entendidos
e zangas geradas… Algumas, justas, com fundamento. Outras, nem tanto. Paciência,
segue o jogo, o importante é não esmorecer. Existe algo acima de tudo isso que
sempre vale a pena. O propósito tem que estar sempre acima.
Por vezes, também agi mal. O tempo mostra isso quando a
gente olha pra trás com mais sensibilidade e menos ímpeto.
Esse mesmo tempo passa e percebemos que existe um ouro pouco
comentado dentro do Serviço Público, e se chama Inteligência Emocional. Por
muitas vezes, zanguei-me e frustrei-me por não querer aceitar lógicas que pra
mim não faziam o menor sentido, ou eram menos eficazes ao que se propunham na
origem. Mas é como um dia alguém disse: “a lógica não tem compromisso com nada,
nem com a verdade”. Em certas situações, aprendi que nem sempre as lógicas mais
fundadas são as que servem melhor. Às vezes, um caminho menos rebuscado e mais
pragmático traz mais e melhores resultados. É quase como dizer que um Chevette
pode te dar uma viagem mais rápida ou confortável que um Corolla. Eu sei, é
meio difícil de entender. Mas o Serviço Público ensina muita coisa que, aos
mais atentos, é até complicado assimilar à primeira vista. Depois, as coisas se
tornam mais palatáveis, se formos atentos o suficiente pra ler as situações.
No Serviço Público, também falhei. Muitas vezes.
E também aprendi que reconhecer que falhou é um caminho
excelente pra fazer bem feito logo ali na frente. Mas é como diz o meme
hoje em dia: “talvez vocês não estejam preparados pra essa conversa…”
Falhei por idealizar demais. Falhei e falho, mas agora num
nível de melhor compreensão do que me cerca.
Felizmente, tive muitas oportunidades. Fui reconhecido e
prestigiado em 3 Governos de orientações partidárias diferentes, o que pra mim
é talvez o maior dos "troféus invisíveis", pois me indica e não me
deixa esquecer que eu não cresci por fatores que não fossem esforço e dedicação.
Além, é claro, de sorte (ou um ‘acaso favorável’), pois muitos têm os 2
anteriores, sem que eles sejam determinantes na vida ou no trabalho de quem os
têm. Esforço e dedicação são necessários, mas, infelizmente, não suficientes.
Batalhei. Evoluí. Ganhei espaço.
Procurei retribuir com ainda mais trabalho e seriedade.
Como disse, também dei "sorte", pois sei que há
muitos melhores e mais talentosos do que eu, e não têm a oportunidade que tive.
Parte dessa oportunidade também credito a ter sido posto a
funcionar com chefes de variadas características (tá dentro do fator “sorte” ou
“acaso favorável”). E também tê-las observado muito bem.
Talvez um mérito pessoal tenha sido, além de observar a
fundo, extrair deles as principais qualidades.
O dinamismo e a articulação de um, a visão sistêmica de
outro...
A sagacidade de um, o voluntarismo de outro...
O modo metódico de um, o “um dia de cada vez” de outro.
Nesse meio tempo, entendi que não basta só observar e “captar”
qualidades dos que estão ao redor. Outras ferramentas têm que “vir de fábrica”:
dedicação, persistência, (alguma dose de) idealismo, ousadia, busca por
excelência (que pode ser virtude ou problema, a depender da ocasião),
resiliência, entre tantas outras…
E assim fui me moldando, ainda cheio de falhas e zilhões de
limitações.
Sempre digo que gosto de ser Servidor Público porque não só
é bom se sentir parte de uma engrenagem responsável por buscar o bem-estar ou
uma condição MÍNIMA de existência decente das pessoas, como também é bom poder
olhar pros ciclos lá na frente e dizer a si próprio que deixamos algo nosso
ali. É uma espécie de “massagem de ego em benefício de um propósito coletivo”.
Paradoxal, talvez, é verdade.
Hoje olho pra onde estive e sei que o que deixei, as
entregas que ajudei a concretizar, os ciclos exitosos que até hoje funcionam…
Tudo valeu a pena. Tudo está lá, fazendo da vida das pessoas um caos menos caos
(do que seria na inoperância), e/ou instituições menos fracas.
Um tempo, uma energia, um sacrifício, uma entrega que faça a
diferença lá na ponta, no município longínquo, ou aqui, na vida da tua cidade.
Deixamos mais do que nossa contribuição ali… Deixamos um pedaço da gente mesmo.
Pedaço que fará parte da História, talvez de uma História que não contem por
aí, mas que os que viveram no mesmo barco sabem, e os frutos, com sorte, ficarão.
Um certo teórico do passado dizia que “uma profissão é
tão melhor quanto maior o número de vidas que os resultados dela tornam melhor”.
Hoje sei que nosso trabalho, ao lidar com um bem difuso que é o Ambiente, que
nos supre de tudo o que precisamos, é essencial à vida de milhões, especial e
primeiramente os quase 9 milhões que vivem nesse País chamado Pará.
Mas muito mais além, muitos outros milhões, que ainda sequer
notaram nossa importância.
Sigo sendo um cara com aquela pressa de dizer pro mundo que
nós, paraenses, somos alguns dos (grandes) responsáveis pela manutenção de todo
um sistema, que, por ser perverso, injusto e incompassivo, precisa de nós, servidores
públicos, pra não colapsar. É a analogia do carro (humanidade) indo rumo
ao precipício (colapso ambiental), e que cabe a nós (1) desacelerá-lo (reduzir
nosso impacto no planeta) e (2) mudarmos sua direção (estabelecermos um novo
modelo de desenvolvimento).
De repente, faço um exercício mental de imaginar como serão
os meus próximos 14 anos no Serviço Público. Não demora e logo procuro outra
coisa pra pensar. Tá duro antever a vida, os tempos são difíceis, a conjuntura tá
prontinha a não colaborar. Aliás, melhor nem contar com ela. Apenas tento
mentalizar que, seja como for, sigamos valentes, sem esmorecer. Que quando esse
esmorecer acontecer, que seja por um dia, e não o ano inteiro, nas
palavras daquela canção do Frejat.
Felizmente, ainda me sinto disposto e motivado como aquele
moleque de 19 que não sabia com o que ia mexer quando foi lotado pela primeira
vez numa repartição. Ou com aquele moleque de 23, que foi nomeado no 2º órgão
público (onde está até hoje), e que, junto com outros dois, fez uma faxina
(literalmente, com direito a pano de chão, vassoura e detergente!) no seu 1º
dia de trabalho, após ter sido empossado como Técnico (!) do Estado.
Talvez aquele moleque, já com 34 na cara, funcione hoje com
um pouco menos de paciência, por já ter visto muito do que quase nunca funciona,
por ter se tornado um tanto capaz de antever alguns desandes e, principalmente,
por tentar evitar (muitas vezes com métodos não muito propícios, é verdade), o
pior problema de uma instituição que quer evoluir: os erros velhos.
Que os erros novos – que sempre vêm – nos aponte que
estamos, ao menos, numa trilha de evolução. Pessoal, profissional,
institucional, coletiva…
Atualmente, cada dia de trabalho que se vai deixa um pouco
da angústia de que há cada vez menos tempo disponível para transformarmos esse
estado, esse País. Essa angústia, misturada com a danada da pressa, muitas
vezes faz com que avancemos as horas e entremos noite adentro na expectativa de
“ganhar tempo”, o que quase sempre é ilusório, pois é o tempo quem ganha a
gente, nos absorve, e nos “gasta” impiedosamente. Já perdi amigos nessa lida. E
estou dentro dela.
Talvez essa angústia e essa pressa tenham que pedir uma “Licença
sem vencimento”, se quiserem me deixar completar os outros 14. Penso demais
nisso. No ritmo em que estamos, há pelo menos 7 anos, não sei se chego a
aposentar em condições de usufruir da dita “melhor idade”.
Um dos chefes que tive, dizia: “Serviço Público, especialmente
aqui, não é só um trabalho, é uma espécie de sacerdócio”. À época, eu não
entendia muito bem. Achava meio alegórico. Hoje entendo perfeitamente. Damos
tudo de nós, nossos melhores ativos: tempo, energia, tiramos dinheiro do bolso
pra ver as coisas acontecerem, abandonamos nossa casa e nosso “quality time”
com nossos filhos e família. No afã de realizar, chegamos até mesmo a nos indispor
uns com os outros. Tirando esse último, todo o resto é a cara do sacerdócio.
Tudo pra ver a engrenagem girar. E, como um sacerdote, sem
nunca deixar de assimilar que somos só um “pequeno instrumento” dentro de um propósito
maior.
Adiante.
--
W.A.
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