Assessoramento no Serviço Público: importância vs. preconceito.

Nesses anos de Serviço Público, tenho percebido um comportamento bastante comum em pessoas direta ou indiretamente ligadas ou dependentes de órgãos de governo (ou seja, todo mundo). Há mais do que uma invisibilidade e um não-reconhecimento em algumas delas em relação à figura do Assessor: há um destrato mesmo, uma nítida desimportância atribuída. Algo tão frequente que chega a incomodar, dada a complexidade do desafio e a essencialidade dessa função dentro das instituições públicas.
Vem a famigerada figura do "ASPONE", o dito "assessor de p... nenhuma". Por que esse senso comum tomou corpo e se cristalizou? Pro bem das instituições, é preciso gerar o alerta e discutir (combater!) esse estereótipo.
Há duas possibilidades para aqueles que tratam assessores como aspones: (1) ou não entendem NADA do que é assessoramento ou (2) há mesmo deliberada implicância/má-vontade com o estereótipo criado em torno da figura do cargo. Este texto propõe reflexão para ambas as hipóteses. Ou você acha que é a própria Autoridade, com 1.478 compromissos diários, que larga tudo e vai lá entender o assunto em todas as suas minúcias? Fundamentar tudo em notas e pareceres técnicos? Preparar briefings para orientar a tomada de decisão? Conceber Ofícios que vão converter todo o discurso em práticas efetivas na vida das pessoas? Montar apresentações para comunicar bem o propósito público? Revisar todo o conteúdo de TUDO cabo a rabo e, ao final, zelar pra que tudo saia como deve ser? Acha mesmo que é a Autoridade que dá conta de tudo isso, magicamente?
O (bom) assessoramento garante a efetividade do discurso da Autoridade Pública. É um "antídoto" ante a possibilidade de discursos vazios (muito frequentes, aliás).
A engrenagem pode ser forte, imponente, mas não roda bem sem a constante ação do óleo, tornando o movimento mais fluido, menos desgastante e garantindo maior longevidade pro sistema inteiro.
Assessores dão fluidez à máquina, atuam nos bastidores, por trás das cortinas, enquanto a peça acontece aos olhos do mundo, como deve ser. Carregam os pianos sem ninguém ver, pro espetáculo (política pública) ter toda a qualidade que a plateia (população), que pagou o ingresso (impostos) merece, em vez de só a pompa.


Não fosse isso, não estaríamos falando de uma palavra – Assessor – cuja etimologia vem do latim, adsedere, e, pela junção do prefixo -AD, "ao lado", "perto" e -SEDERE, "sentar-se", significa "aquele que senta ao lado de alguém". Nesse caso, ao lado da autoridade pública. É, dessa forma, aquele que defende e ao mesmo tempo municia tecnicamente o trabalho de uma instituição inteira, personificada em seu líder, buscando não deixá-lo errar não só no discurso, como também nos dias após ele, durante a execução da política pública em si. 

Já vi muitas atrocidades sendo ditas ou feitas em desimportância à figura do(a) assessor(a). E atenção: não só de fora para dentro das instituições, como também - o que é mais preocupante! - de "dentro para dentro" delas, intersetorialmente. No senso comum, o cargo e a função são tão desacreditados que cedem espaço pra inferiorização de profissionais. Num redondo equívoco, virou sinônimo de desvalorização com o passar dos anos. Se for mulher, então... Prato cheio pra comentários machistas e ofensivos à qualidade da profissional, e questionamentos graciosos sobre sua postura e seu modo de acesso ao cargo. Fora os – “Ah, não dá na mão desse assessô, que ele não resolve nada! Tá aí só de enfeite!”; ou  – iiiih, o documento caiu na mão de algum assessô por lá!", desfazendo-se da função e da pessoa ao mesmo tempo. 

Esse sentimento de demérito, de desvalorização é tão presente no dia-a-dia - embora pouco comentado - que já presenciei colegas de trabalho evitando de se apresentarem como assessor em reuniões, formulários, e-mails, substituindo pelo nome de suas graduações, só pra fugir da má-fama, ou não pagarem o preço da desconfiança que habita o imaginário popular em relação ao cargo. Ninguém me contou, vivi e presenciei. 

Há também os colegas que ocupam funções de assessoramento (como Gerentes, Coordenadores, Diretores), mas que, conscientes ou não, não se vêem como assessores, desconsiderando que o gestor precisa deles "sentados ao lado" (ad-sedere) para uma boa tomada de decisão e são, portanto, assessores (ainda que essa palavrinha não apareça em seus holerites/contracheques).

Tanto é verdade que a sigla que determina remuneração especial pela função é, não por acaso, "DAS". Você sabe o que significa a letra "A" da sigla? Pois é. Assessoramento. Direção e Assessoramento Superior. 


Bem, à parte qualquer possibilidade de desconhecimento - que é inerente a todos nós - não julgo atitudes deliberadas de nenhum deles. São (somos) todos vítimas da desvirtuação que a função (e o cargo) de assessoramento sofrem e vêm sofrendo nas últimas décadas, nos Três Poderes e nas três esferas. 

Substantivar alguém como assessor(a) quase sempre remete ao subconsciente das pessoas a figura de alguém bem relacionado político-partidariamente, e/ou alguém que não sabe nada do que deveria e só está ali pelo também famigerado "QI" ("quem indica"). Não é verdade em muitos casos, mas também é preciso ser justo e entender que, dos tantos casos em que isto foi verdade, nasceu o descontentamento das pessoas e a indesejada generalização, um dos motivos deste protesto em forma de texto. 

Seu mau uso não dissolve sua importância, o que aliás, é uma lógica simplista e bastante perniciosa nesse momento de Brasil e de enfraquecimento do Serviço Público, em diferentes pastas. Se alguém grita: "se "x" tá ruim, então acaba com "x", elimina!", nós rebatemos: não, não elimine! Reforme, reordene, restaure, refaça, melhore "x" (o que, aliás, pode se aplicar para cargo, função, a instituição como um todo, leis, decretos...). 

Se ao longo do tempo a função de assessoramento foi desvirtuada em razão dos "compromissos partidários" de autoridades, é outro departamento (até porque nem toda indicação partidária precisa ser ruim... Não sejamos obtusos, disposição e qualidade podem vir de todo lugar). Dentro do mesmo estabelecimento, é verdade. Mas ainda assim, outro departamento. 

Assessoramento ainda é o óleo de toda a engrenagem.

Comentários

  1. Muito bom seu texto. Eu me apresentava pelo cargo/função mesmo, mas por falta desse contexto. Mas lembre-se: os "bons assessores" são pouquíssimos frente à quantidade global, quase infinitesimais. Até conheço vários excelentes, mas o resto... Abraços!

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