Queda e Recomeço

QUEDA. Tudo começa quando você acha que pode controlar o ciclo das coisas. Quando cai na ilusão de que, por se sentir jovem, forte e disposto o bastante, acha que pode controlar como as coisas se dão e pior que isso: a duração e a intensidade delas. Então, bancando o dono da verdade, mas sem perceber o caminho errado que está tomando, você não cuida do meio, muito menos se prepara pra um eventual fim, porque no seu íntimo o fim depende somente de você.

– “Ahhhh, depois eu vejo isso”,
– “Ahhhh, depois eu dou aquela forra” (que nunca vem),
– “Mas fulano(a) nem se importa se eu não fizer isso mesmo…

E é exatamente a reprodução desse pensamento o maior indicativo de que a queda virá.

Adicione-se a isso as pitadas de fantasia e idealismo que nos acometem, especialmente os jovens (eu não preciso ser mais vivido pra perceber). Pronto: estão aumentadas as chances de queda, já que estes dois são véus poderosos que existem para nos impedir de enxergar a realidade das situações (e de agir).

Acredito fortemente que, durante nossa vida, confundimos muito os conceitos. Sou ciente de que – ainda mais em tempos onde a verdade é 'o que a pessoa quiser' – tudo é relativo, mas talvez o exercício dessa nossa passagem terrena, dentro daquele objetivo maior de busca pela evolução espiritual, seja justamente o de organizar, dimensionar e “desconfundir” muito bem todos esses conceitos. (até para sermos , no futuro, aqueles avós baluartes-da-sabedoria, como nos filmes, veja a fantasia agindo…).

Confundimos:
– Autoconfiança com Prepotência;
– Despreocupação com Displicência;
– Seriedade com Mau Humor/Rudeza (Maquiavel, se vivo, faria sucesso no Brasil de hoje, diga-se);
– Ambição com Deslealdade (falei sobre isso dias atrás aqui);
– Timidez com Medo;
– Medo com Covardia;
– Ousadia com Arrogância;
– Necessário com Suficiente;
– Humildade com Humilhação;
– Simplicidade com Desleixo;
– Muito com Demais (no inglês, é bem marcante: seu “very” ainda tá dentro do aceitável; se você foi “too”, você passou da conta);
– Normal com Comum (Brasil é o lugar onde muita coisa se tornou comum, mas segue sendo completamente fora do normal…);

Alguns diriam: “mas calma lá, isso é difícil pra caramba de diferenciar”. Sim, é verdade a história das "linhas tênues". Realmente, são muito tênues (não “tênues demais”) em muitos casos.

Acredito também que é exatamente essa confusão, às vezes inconsciente de conceitos, que nos leva a 2 momentos muito críticos na vida: (1) fazemos uma leitura completamente errada das situações em que nos inserimos; (2) com conceitos confusos e leitura errada, fatalmente tomamos decisões que vão nos levar a consequências graves. Ou não as tomamos, e aí o custo dessa inércia “vem na conta” tempos depois.

... e aí você entra no labirinto, do qual não havia a necessidade... Você já podia estar bem longe na jornada, mas aí ficou preso nele... Sabe Deus por quanto tempo...

De tanto amadurecer esse entendimento, cheguei à conclusão de que esse raciocínio vale para TODAS as dimensões da vida: família, trabalho, relacionamentos amorosos, amizades. Confundiu conceitos e não alertou para os sinais? Prepare-se. O ciclo é cercado de fatores FORTES o bastante pra “mandar a conta” independente da sua vontade. E pode vir de diferentes maneiras. A depender do seu momento consigo e do seu estado de inteligência emocional, algumas delas talvez sejam feridas de fácil cicatrização. Outras, se te “pegam de jeito”, podem te tirar o chão, te jogar num buraco fundo. Uma demissão ou um término de relacionamento inesperados, um filho que incorre num caminho errado (por ausência e leitura errada sua), uma decisão de Governo que afeta sua vida diretamente (te reduz um direito, te leva à falência, te desequilibra em alguma medida), enfim…

É claro que é impossível moldar aquela “parcela invisível” responsável por mover grande parte desse mundo, que é aquilo que nós – e talvez ninguém – podemos dar conta, o famoso IMPONDERÁVEL: uma doença contraída, um acidente de trânsito que você não provocou, um ataque cardíaco, um assalto, um desastre em qualquer lugar. Neste terreno, seria em vão gastar qualquer energia, senão a da precaução, que é uma espécie de “seguro capenga”, que não te cobre de muita coisa e nem te dá garantia de nada…

Isso por si só já seria o suficiente para “baixarmos nossa bola” e entender que, se as quedas são inevitáveis, elas poderiam ao menos ter um efeito minimizado se entendêssemos que, POR MAIS HÁBEIS E DEDICADOS SEJAMOS NA CONDUÇÃO DE UM CICLO, JAMAIS O PODEMOS CONTROLAR, PORQUE OS FATORES QUE O CERCAM E DIRIGEM VÃO MUITO ALÉM DA NOSSA INGERÊNCIA. Ir por esse caminho (de achar que se pode controlar e moldar pessoas, situações, circunstâncias) só leva a uma frustração gigantesca, que abre uma porta para o desequilíbrio psicológico, ações precipitadas (que f**** ainda mais a cartola) e desencadeia toda sorte de prejuízos. Alguns irreversíveis. É o desande geral.

Escolhemos controlar ciclos porque aprendemos (alguns mais, outros menos) desenvolvemos o veneno da MANIPULAÇÃO. Só que aí vem o tempo e mostra que: É inútil manipular! Aliás, a manipulação é um dos piores males, porque muito antes de fazer como vítima o manipulado, faz do manipulador sua primeira presa, que dele se torna um completo refém (que sequer pode estar percebendo isso).

RECOMEÇO. É a exigência da reprogramação. Não sobram muitas alternativas. A queda aconteceu, o arrependimento não muda o estado das coisas, o tempo não volta. É só você e você agora. Quando deita e quando acorda. É somente você e você. E sua carga de pensamentos e de lembranças atordoantes das falhas que cometeu. Você sabe que precisa de remédios: desapego, inteligência emocional, resignação, paciência, solidariedade, reinvenção, resgate do amor próprio, terapias Individuais, terapias em grupo, família (se você tem uma por perto), momentos de amizade, boas histórias… E outras duas, que reputo as mais difíceis: o exercício da ACEITAÇÃO e o AUTO-PERDÃO.

Tenho repetido – para mim mesmo e nas terapias – que pro recomeço ser eficiente, ando em busca da expressão que marca as personagens Elsa e Anna no filme “Frozen”: o “LET IT GO”. 

Ora, o que é o Let It Go? “Deixar isso ir”. E o que é o “isso”? É O CICLO!

O Ciclo se foi! Se não foi, saiba: ele em breve irá! E quando essa hora chegar, qual a sua capacidade de aplicar o “Let It Go”? Qual a sua capacidade de afastar as “raining clouds” que o Dream Theater expressa na linda Hollow Years e então ouvir que os “anos vazios” se foram???

Qualquer pessoa em busca por autoconhecimento deveria assistir a esse clipe e mentalizar essa letra

No fim das contas, o recomeço precisa objetivar a saída do buraco. É preciso olhar pra dentro de si e, de algum modo, buscar ser o personagem que Vedder canta em Rearview Mirror, que passa a “ver as coisas muito mais claras quando o problema já está no espelho retrovisor”.

E o exercício pra isso? Bem, deve haver muitos. Mas recentemente aprendi com a Psicologia que existe um mecanismo humano que antecede a tomada de decisão, chamado de ELABORAÇÃO. Meu terapeuta disse que as mulheres são bem mais hábeis pra desenvolver a elaboração do que os homens, mas todos podem. É o ato contínuo de questionar-se se determinada situação ainda merece ir adiante. É um flerte com a intenção de quebrar o ciclo. Aquele emprego que te dá muito mais dor de cabeça do que prazer; aquele relacionamento que estagnou ou vai mal; aquela moradia que é só problema; aquele carro que atrapalha mais do que ajuda. Exemplos infinitos. Num dia: “Hmm, será que isso vai mesmo melhorar?”. Dias depois: “Hmm, acho que não vai mudar não…”. Semana seguinte: “Ó, tá vendo? Aconteceu de novo…”. Noutra semana: “Tá vendo só? Vai ser sempre assim…”.

Conclusão após algumas semanas ou meses: aquele passo que parecia difícil de ser dado (em relação a tudo o que acarreta), se torna mais fácil e então há um encorajamento pessoal em dá-lo adiante, já que houve um processo de amadurecimento contínuo da questão e todo (ou a maior parte d)o medo e da incerteza que as envolvia se dissipou.
Me parece que essa elaboração, juntamente com os demais remédios citados, é realmente a principal saída para um recomeço bem-sucedido. Claro que somos tão únicos que certamente alguns são bons de obter o remédio X, mas péssimos em obter os remédios Y e Z. Sem dúvida mais fácil pra uns, menos pra outros, como sugere o relativismo que comanda essa vida. Mas para todos é um processo árduo, afinal, até onde nos consta, o ser humano nunca foi bom em lidar com mudanças.

Não até finalizar o processo interno de elaboração.

Ozzy cantando “Changes” é um hino de como as mudanças são duras

Isso me lembrou Changes, em que Ozzy Osbourne canta a tristeza que é ter que aceitar uma mudança decorrente da partida (= ir embora, não morrer) de pessoas especiais. Na canção, são sua mulher e filhos. Na vida, qualquer pessoa ou situação. Ao longo da letra, ele expressa todos os sentimentos humanos que decorrem das mudanças: tristeza, arrependimento, vontade de voltar no tempo, lembranças…

Ao final, resta levantar a cabeça, estufar o peito e bancar o Dave Grohl (Foo Fighters) cantando Walk:
I think I lost my way
(Acho que perdi o meu caminho)
Getting good at starting over
(E estou ficando bom em recomeçar)
Every time that I return
(Toda vez que eu volto (a cair))
Learning to walk again
(Estou aprendendo a caminhar de novo)
I believe I've waited long enough
(Acho que esperei o bastante)
Where do I begin?
(Então por onde eu começo?)
Learning to talk again
(Estou aprendendo a conversar de novo)
Can't you see I've waited long enough?
(Você não consegue ver que eu já esperei o bastante?)
Where do I begin?
(Então por onde eu começo?)




Comentários

  1. Fantástico, continuemos a andar, se cansar, descanse, e continue, não precisa correr, basta seguir o seu ritmo e seguir em frente, não voltar mais. Estamos todos juntos.

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  2. O texto que eu precisava ler em 2022... Depois do "E Se"...
    Ah Branquelinho como é bom te ver existindo.

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