Autoboicote, Tempo Perdido e o Chacoalhar da busca pelo Autoconhecimento


Esses dias me peguei pensando no quanto me boicotei, por anos. O incômodo com isso vem sendo forte o suficiente pra me fazer colocar pra fora isso em rodas de conversa entre colegas e na frente do computador. Hoje, um pouco mais calejado com as pancadas absorvidas (e ainda não aceitas), eu olho pra trás tentando entender como chegou a esse ponto e só consigo atribuir isso a 2 fatores básicos: (1) um processo de emancipação familiar mal conduzido e (2) uma corrida insana por ascensão profissional após ter “pavimentado o caminho” e receber um convite que pensei ser um "cavalo selado" passando.

A emancipação era um movimento pra buscar uma liberdade de ser e fazer que eu não conseguia ter convivendo com familiares até os meus 27 anos; Já a busca por ascensão profissional era pra alimentar um ego e uma crença (traiçoeira e) pouco humilde de que eu sempre fui muito bom, quiçá o melhor dentre os da minha época no que eu me prestava a fazer. Isso fora a busca por alguma prosperidade econômica – o que é um “projeto ingênuo” se você for um servidor público estadual, convenhamos – que me levava a pensar que, se eu a alcançasse, me deixaria mais tranquilo lá pros 35-40 de idade. Com isso, foram “5 anos de labirinto” desbravando situações novas e tomando uma série de decisões erradas em vários setores da vida, e pior: NÃO SENDO CAPAZ DE ENXERGAR no que um cara com grandes responsabilidades e com um futuro promissor pela frente deveria realmente investir.  

Com a licença poética pra analogia (que meu próprio trabalho me deu), eu estava todo pronto e dedicado pra construir os Parques para todos lá fora, mas inteiramente cego pra construir aquele “jardim interno” pra mim mesmo, aquele jardim de que os especialistas da Psicologia tanto falam que temos dentro de nós.

Aliás, essa expressão 5 anos de labirinto (que já usei em outra postagem aqui no blog, e no Twitter, dia desses) se deve a esse mergulho de cabeça composto pelas frentes “finalmente morar sozinho e ter o próprio canto” e “assumir um cargo de Direção importante" dentro da estrutura do 2º maior estado do Brasil. Na minha visão, estão aí origens do emaranhado de situações confusas e pouco racionais que me levaram a uma série de “cabeçadas”, alguns aprendizados, uma filha (incrível), mas muita, muita dor, ainda em assimilação. O que eram pra ser os “pontos altos” da vida de um homem com barba na cara – exercício das liberdades individuais e carreira de vento em popa – foram 2 elementos mau geridos, pessimamente conciliados e agora rendendo uma colheita dolorosa e obrigatória, todo santo dia.

Voltando ao incômodo causado pelo autoboicote, é impressionante pensar que um cara que cresceu vendo as coisas (ruins) que vi, que batalhou as coisas que batalhei, tendo as experiências de vida que tive pra alcançar o meu espaço (um dia falarei sobre isso especificamente), vendo de MUITO PERTO os exemplos que NÃO deviam ser seguidos… Como um cara desses pode ter passado CINCO ANOS relegando a últimos planos TODOS os aspectos importantes à sua evolução pessoal?? Me refiro à evolução como indivíduo mesmo. Não de dinheiro, nem de cargos, mas de valores internos, de inteligência emocional, de moral, de consciência sobre missão, de busca pela felicidade. Como eu posso ter sido tão negligente comigo???

Não estudei com afinco coisas de meu interesse FORA do trabalho, não li NADA que não fosse da minha área profissional, não busquei fazer as coisas que amo ou amava, me afastei do Esporte, comprei coisas que me dariam prazer e com as quais sonhava muito, mas nunca realmente as usei pra valer (os exemplos ainda estão jogados aqui por casa), e principalmente o pior de tudo: deixei de lado os SERES HUMANOS que amo, assim como os sentimentos e expectativas deles. Nada para mim realmente importava a não ser o reconhecimento profissional e aquela certeza própria de que o COMPROMISSO PROFISSIONAL vinha sendo cumprido com excelência, diante das condições que me eram dadas.

Agora me pergunto:

“O que sobrou no final?”

“De que adiantou todo o reconhecimento lá atrás – e mesmo hoje, seguindo com uma função relativamente importante dentro do 3º Governo diferente do qual participo – se hoje perdi muito mais do que ganhei?”

“De que valeu ter sido e ser um profissional valoroso e reconhecido dentro e fora do Estado, por muitos, se toda vez que o final de semana chega, é um Deus-nos-acuda interno pra segurar a barra de não ter nada nem ninguém que um dia foram a minha vida?”

“Estão todos com suas famílias, felizes, viajando, curtindo, logrando frutos que eu ajudei a construir, com lindos Instagrams… E eu sigo absolutamente sozinho, colhendo todos os frutos do meu desequilíbrio de forças e atenções. Isso é justo comigo? E se é justo, como é que eu escapo disso? Por quanto tempo haverei de pagar? Um dia ainda acaba?!?”

É torturante viver isso. Mas se você está lendo e não entende, não lhe cobro que sinta a real dimensão da dor. Não é justo com você se eu lhe cobrasse. Você não tem como saber ou dimensionar se não viveu nada parecido. Entendo e respeito isso.

Bom, mas aí quando realmente entendi que precisava “correr atrás do tempo perdido” (outra expressão discutível, porque tempo não volta, mas enfim), me deparei com a necessidade de cair de cabeça no mundo do autoconhecimento: leituras, reflexões, meditações, conversas com pessoas diferentes dos meus círculos habituais, terapias.  

Estou convicto de que esse é um mundo paralelo, sabe. Porque a dinâmica do dia-a-dia, da busca pelo sucesso individual, da loucura de trabalho, das redes sociais, do trânsito, das contas a pagar, de tudo isso… não só te tira o foco de voltar o olhar pra dentro de si, como também TE PAUTA! Pauta o teu dia, pauta a tua vida, te faz levar o trabalho pra dentro de casa, te faz dar menos atenção a quem amas, te faz acordar e já ir olhando se não tem um email ou um whatsapp pra responder sobre trabalho. Te rouba de ti e dos teus. Acaba contigo sem perceberes.

Felizmente, essa busca por autoconhecimento tem já me proporcionado alguma ajuda, e me levado motivação para estender essa ajuda a outros que vejo passar por situações similares (acreditando que isso é parte do processo de cura, e não porque estou bem o suficiente pra ajudar). Aliás, escrever esse blog tem essa motivação como uma de suas razões de ser: motivar outros em busca de alguma cura. A parte mais dura, no entanto, é que tudo o que diziam sobre essa busca por autoconhecimento e paz interior era verdade, especialmente uma coisa: vai doer.

E tem doído. Doído muito. É um processo paradoxal, porque ao mesmo tempo que te apresenta pessoas novas e diferentes, é algo que pra ser efetivo precisa que você saiba usar a sua solidão a seu favor. Estar só não era algo pra ser dolorido por aqui. Não foi, inclusive. Vivi muito tempo sozinho e achava isso o máximo. Prova disso é que, certo dia, em 2017, fui perguntado: “como tu és capaz de fazer refeições sozinho? Não te incomoda almoçar e jantar sozinho, não? Como tu te sentes? Como pode?!?” A mesma intensidade com a qual a pessoa demonstrava incredulidade com isso, eu usei para respondê-la: “não só acho normal, como também é muito bom, gosto muito, até prefiro. Olha, eu acho legal, porque como de qualquer jeito, não preciso interagir ou ‘fazer sala’ pra ninguém, não preciso de etiqueta, nem nada, sinto melhor o gosto da comida, porque minha atenção pra ela aumenta já que não tem ninguém, enfim”. Vejam vocês onde estava o meu nível de egocentrismo, levando a vida do “homem novo que mora só”.

Hoje, alguns anos e capítulos depois, cada refeição sozinho soa a um castigo. Mal sinto o gosto das coisas e como rápido para acabar logo. Por vezes, eu furo as refeições, prefiro ir deitar. Fiz isso tantas e incontáveis vezes nesses últimos meses que já são 14 Kg a menos. 
Quando a chave vira, é foda, parceiro.

A partir de então, espero nunca deixar de buscar autoconhecimento. Que essa busca se distribua ao longo da minha vida em meio a tantos compromissos, que precisarei seguindo cumprir.

As pancadas vão continuar a doer. Hoje entendo que as mereço. Todas. Já disse e repito: sou Gilberto Gil cantando Drão, todos os dias. "Os pecados são todos meus". Só preciso treinar e desenvolver melhor os recursos para seguir convivendo com as dores das pancadas. Como no filme “Rocky”, quando o personagem, interpretado por Sylvester Stallone, explica metaforicamente sobre o que é viver: “Não se trata de bater forte. Se trata de quanto você aguenta apanhar e seguir em frente, o quanto você é capaz de aguentar e continuar tentando.” É filme, é Hollywood, eu sei, mas acredito nisso. A cada dia que passa, fica mais claro que a chave é mesmo desenvolver os recursos, engrossar a casca, pra continuar resistindo e seguindo em frente.

Esse texto é escrito numa noite chuvosa, sozinho em casa, ouvindo “Hide In Your Shell”, do Supertramp, banda que sempre me desperta grandes reflexões internas. E vem a calhar. Música que inspira reclusão, e encoraja a reforma íntima que, só depois de tanto tempo, consegui enxergar como necessária e urgente.


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